segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

UM BRASIL QUE NÃO LÊ, NÃO LÊ POR QUE?


O Brasil é um país que não lê.
Infelizmente a assertiva acima é uma realidade que assola nosso país, porém, tais discussões parecem não se refletir na sociedade.
Ainda é comum ouvir de pessoas de todas as idades a incomoda frase: “Eu não gosto de ler”.
Pode-se analisar e deduzir de várias maneiras a declaração de asco pela leitura: que é uma questão de gosto, de costume, de incentivo e etc. Todavia, pode-se também problematizar a declaração com uma nova questão: “Não gosta de ler o quê?”
Neste ponto, teremos que voltar nosso olhar para o ambiente escolar, maior referência de leitura e formação de leitores de nossa sociedade e analisar o “quê” e “como” é disponibilizado o material de leitura na formação do aluno.
Em breve busca para as atuais políticas de incentivo à leitura e nos órgãos que, direta e indiretamente ditam as regras de adequação literária a serem implantadas no momento de escolha, aquisição e disponibilização do livro em sala de aula vemos um avanço tímido após a comemorada lei 10.639/2003.
Certo que, a exemplo da ocupação de outros espaços culturais, também a literatura não se mostrou como reflexo fiel, ou ao menos próximo da nossa sociedade. Muito calcada em uma ideologia Européia, quando não seguindo uma política de higienização racial, a escrita é um dos maiores instrumentos de resistência dominante de uma elite branca, refletindo o modelo idealizado por estes e travando uma intensa labuta na mantença do status quo.
Já peço desculpas pelo uso de termos como “elite branca” e “status quo”, que pelo excesso já tornaram-se lugar comum de uma irritante cantilena de classe. Porém é igualmente irritante e insuportável os repetidos artifícios da classe dominante para não alterar o modelo de sociedade que lhe beneficiam.
Dentre estes artifícios, a escrita e a leitura são, sem dúvida, símbolos de poder e civilidade superior, que combinam perfeitamente com ideologias de dominação.
Por estes motivos, minorias de nossa sociedade (e aqui lembramos que o termo minoria não esta ligado ao fator quantidade e sim ao acesso e retenção de direitos) não foram contemplados como criadores de textos ou como leitores em potencial.
Tratando da condição específica dos negros brasileiros, estes foram por longa data vedados do direito à educação. Por óbvio que criou-se um exército de analfabetos.
Não era necessário (nem desejável) criar uma literatura que contemplasse estes recém libertos e incômodos moradores que, inclusive, desejava-se eliminar da sociedade com uma política de embranquecimento social, a saber, a Eugenia.
Com isto, evidenciou-se uma política em larga escala de exclusão literária, ou exclusão de leitores.
É necessário lembrar que, a nossa sociedade em meados da abolição, quando dois terços dos negros brasileiros já eram libertos ou, auto-libertados em quilombos e afins, já somavam coisa de oitenta por cento da população.
Mesmo com a importação em massa de imigrantes, que, em regra também eram analfabetos, não seria possível “letrar”, ou ao menos alfabetizar a massa da sociedade brasileira sem beneficiar também a população negra, o que, como já dito, não era desejável.
Tais fatores históricos nos dão uma hipótese da formação de um povo que não lê, mas é pouco para explicar, ou ao menos começar a entender, a cristalização deste estado de coisas.
O abandono de políticas Educacionais e, mais especificamente de políticas de leitura, podem ser um referencial desta procura, mas, talvez, o modelo dessas escassas políticas, e a forma de sua implementação, possam nos revelar um pouco mais sobre o tema.
Se houve negligencia (ou sabotagem) com leitores em potencial, não foi diferente com os escritores que se dispuseram a retratar a pluralidade social.
A escrita étnica vive até hoje um ostracismo criado pelo mito da “democracia racial”. Há ongs como o Quilombhoje. que agrupam escritores motivados tão somente pelo idealismo de uma literatura brasileira igualitária.
Também louváveis iniciativas acadêmicas como a Universidade Federal de Minas Gerais – letras, que mantém um grupo de pesquisa de literatura afrobrasileira e o portal LITERAFRO, no qual se encontra importante amostra de escritores.
O Brasil, que em muitos aspectos é o criador da hipocrisia legalista, com a falsa ideologia de harmonia de raças em sua sociedade, acabou por marginalizar toda e qualquer discussão ou manifestação que visasse levantar hipóteses de tratamentos desiguais motivado por discriminação racial. Bastava, e ainda basta em alguns casos, afirmar-se que “No Brasil não existe preconceito” e qualquer projeto ou manifestação com este teor estava imediatamente descartada.
A cruel sabedoria deste dispositivo consiste em acusar de racista justamente quem deseja discutir o racismo. Neste diapasão excluiu-se, e ainda se exclui escritores cujo tema central é o embate racial da sociedade brasileira.
Se a discussão racial não contempla o universo desejado nos livros, não é diferente quando se fala na vivência e dramas da população negra. Durante muito ano, ignorou-se qualquer possibilidade de romantizar ou dramatizar o cotidiano do negro.
Tal exclusão dá-se basicamente no âmbito acadêmico, ou da literatura considerada boa ou clássica.
Quando contemplada a existência de tais personagens, aeram condenadas a papéis subalternos e ou ridicularizados, o que, por óbvio não era a melhor opção de introdução de leitura para quem se identificasse com tais personagens.
Assim, a população excluída não lia, pois, não o sabia, e, quando o sabia, não lia, pois, não se reconhecia.
Evento semelhante ocorreu na teledramaturgia brasileira, o que é genialmente tratado pelo documentário A Negação do Brasil de Joel Zito Araújo.
Esta exclusão literária, infelizmente não era, e não é, desabono exclusivo da população negra. Em larga escala o mesmo se faz com o índio (que enclausurou-se como “folclore” no mundo literário) e, em outra proporção, com a mulher o deficiente e outras minorias que ainda hoje lutam por lugar ao sol social brasileiro.
Necessário dizer ainda, que a origem racial do produtor do texto, também importava, e ao que tudo indica ainda importa, no momento da seleção, aquisição e disponibilização do livro.

5 comentários:

  1. Helton, parabéns pelo artigo bem embasado e a crítica salutar que faz a ditadura racial ainda presente no país ligada a esteriótipos e leis exclusivistas.
    Um grande abraço

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  2. Hum, finalmente um blog interessante, muito bom texto.
    Fazemos parte de um país que não lê, ou porque não quer ou não gosta, mas meus parabéns, com escritores assim, um dia essa realidade será outra.
    Particularmente leio muito (além da média - se é que existe uma média estipulada), e o único "remédio" talvez seja mesmo uma grande reforma, tanto dos que leêm, quanto dos que escrevem.

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  3. Ótimo texto, feliz condução narrativa pelos desconhecidos caminhos e atalhos da escolha do livro para as escolas. Concordo que se deve atentar o material de leitura “quê” e “como” é disponibilizado na formação do aluno.
    Se os alunos passassem a dizer com coragem aos governos " Vocês não conseguiram me seduzir com os seus livros" muita coisa mudaria. Felizmente( ou não) o meu complexo de Poliana, que parece disseminado por todos que produzem literatura negra, reconhece sementes, munições para esse combate. São livros, saraus, contação de histórias, seminários, discussões de livros.


    Ballouk

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  4. Helton,

    A realidade e de que vivemos em um pais de analfabetos, sejam de fato, sejam funcionais.
    Outra realidade e que os livros sao caros e os livros que eventualmente sao mais baratos, o sao porque tem tiragem muito grande e, na sua maioria, sao titulos importados. POr exemplo, o Sr. dos aneis, livros de bolso americanos, e outros lixos como estes que te citei. POrque disse lixo? Porque nao nos ensinam nada. Nos falam de uma realidade que nao e nossa e o intuito e apenas o entretenimento. Nao que eu seja contra literatura de entretenimento. Mas acho tambem que a leitura tem tambem que (in)formar. Nao acredito nessa sua teoria da ditadura branca na escolha de titulos. Acredito sim que muito mais que a escola, a familia tem que ter um papel, uma responsabilidade muito maior na introducao da nova geracao a literatura de qualidade. Quando as familias compreenderem que a compra de livros (de qualidade) tem que fazer parte do orcamento da casa (e nao so as roupas de marca, as rodas novas para o carro ou o laptop da moda), isso vai fazer uma pressao mercadologica para: a) as editoras lancarem mais livros. b) o governo iniciar programas de incentivo (ate mesmo fiscal) a leitura. Entao a roda vai comecar a girar. Repito, nao acredito nessas teorias da conspiracao de que voce fala. Contudo acho legal que voce tenha tomado tempo para escrever sobre isso.
    Todos nos queremos um povo que saia da miseria nao so financeira, mas moral e humana na qual uma massa de mais de 180 milhoes de brasileiros esta.

    Mauro Ribeiro / SP

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  5. Olá Mauro, obrigado pela opinião. Por acaso estou on line e posso comentar de pronto. Olha, não é uma teoria é uma constatação. Quais são os clássicos da literatura brasileira, sugeridos e trabalhados nas escolas, de autores negros ou indigenas? Ou gays? E vamos além: mulheres? comparemos os números e veremos que a literatura brasileira nas escolas é masculina, hetero e branca. Agora, se analizarmos o conteúdo literário, a coisa piora.
    Concordo contigo sobre a mudança de cultura de mokdo geral e que o problema não está somente nos apontados no texto. o trabalho é árduo.
    Lembro que o incentivo fiscal já existe (livro tem isenção tributária).
    http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/livros-devem-ter-isencao-completa-de-impostos/2187/

    É isso.

    Gde abç

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