sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ENCHENTES, ENTRE O TUDO E O NADA, MUITA AGUA VAI ROLAR.



“A gente demora pra comprar as coisas com tanto sacrifício e perde tudo num dia...”
É a frase mais falada de todo e qualquer telejornal que se proponha a cobrir as enchentes em São Paulo.
Perder de uma hora para outra tudo que se conseguiu com tanto sacrifício... O que isso significa?
Muito Azar? Uma injustiça? Destino? Falta de planejamento...
Fiquei analisando o ocorrido, triste e impotente como em regra são os telespectadores de telejornal. Uma casa ruiu, outra foi invadida pela água, outra foi levada pelo córrego e o pobre coitado perdeu tudo.
O rosto aborrecido do prefeito lamenta a situação e nada aponta como solução prática, não por incompetência ou negligencia, mas por ela simplesmente não existir.
Não existe solução prática para a destruição em grande escala. Nem se houvesse dinheiro sobrando (o que não há) se poderia chegar a uma “solução prática”.
O que pode ser prático para alguém que perdeu tudo? Nada!
Qualquer caminho será um difícil caminho de reconstrução. Solução prática é uma meta simbólica e desejável que serve tão somente de parâmetro para o inalcançável.
Reconstrução! Talvez seja essa a palavra. Reconstruir é construir de novo. Fiquei pensando nisso e tentei chegar o mais perto da solução prática que não existe. Na prática as pessoas perderam casas, moradias...
Então teremos que reconstruir moradias.
Mas como? Como se constrói uma casa? Uma moradia digna?
De novo me veio a sensação de impotência. Não sei construir casas...
Mas quem constrói casas é pedreiro e não é tão difícil encontrar pedreiros, certo?
Errado!
O telejornal também me disse que está faltando mão de obra na construção civil e tinha um engenheiro reclamando disso... Peraí... Também tem o engenheiro, que é quem projeta as casas de modo que elas não caiam...
O engenheiro também pensa nas complicações da casa em relação ao bairro, à cidade... Se cabe, se não cabe, se pode, se tem rede de energia elétrica, se tem rede de esgoto. O Engenheiro que faz a casa pede permissão para o engenheiro que ta na prefeitura que vai analisar o impacto no trânsito local, se o lugar da construção tem estrutura para receber aquela casa, na valoração ou desvaloração urbana, se o esgoto não vai entupir quando tiver muita água, quando chover...
As casas perto do córrego tem projeto engenharia? Tem habite-se?
Não importa. O que importa é que as pessoas eram donas da casa e perderam tudo. A casa tava lá, no nome dessas pessoas e agora elas não tem nada.
Peraí... Casa no nome da pessoa é escritura. Tinha escritura?
Mas isso custa dinheiro e as pessoas que lá estão são muito pobres, isso é uma verdade incontestável.
Tiveram que deixar tudo pra traz. Roupas, televisão, DVD, Rádio, Mp3, Geladeira, micro-ondas, computador, ou seja, tudo.
E o governo não lhes dá nada.
Em alguns lugares não podia ter casas, era área de manancial. Não podia ter casa mas tinha asfalto, tinha água encanada, tinha rede elétrica...
Sr não podia ter casa, porque tinha estrutura? Como se instala estrutura urbana onde não pode ser urbano? O engenheiro não viu isso?
Mas a prefeitura não tem engenheiro pra dar de graça, pra ver tudo... Tudo bem que tem um projeto do governo estadual que envia verba para a prefeitura regularizar habitações irregulares ( regularização de núcleos habitacionais) mas a maioria dos prefeitos não se cadastraram.
Agora não dá pra fazer nada. Pessoas perderam tudo. Não tinha registro, não tinha habite-se, não tinha projeto aprovado por engenheiro, laudo técnico, autorização do setor de habitação, escritura, segurança... Não tinha nada, mas as pessoas iam vivendo lá sem que a prefeitura dissesse nada... Tudo meio irregular, meio improvisado, mas e daí... ninguém diz nada e nem tem nada com isso...
Pra que implicar com essa gente pobre, cobrando delas documentos e laudos. Pra que mexer com o prefeito que faz de um tudo pra esquecer dessa gente que não tem nada?
Mas como é que quem não tem nada, consegue perder tudo?


1 ANO DEPOIS...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O SABER DA ESPERANÇA.

Talvez se pulássemos sete ondas no reveillon
Se jogássemos rosas ao mar
Contando com a magia de seu falso infinito
Se fizéssemos pedidos a estrela cadente
Que desenha uma vontade no céu iluminado
Se apagássemos a vela fincada no bolo desenhado
Ao mesmo tempo em que apertamos os olhos
Pensando no desejo esperado
Se ensinássemos para o futuro
Pesquisássemos o escuro e tivéssemos filhos
Abaixássemos ao tiro
Se víssemos na morte outra vida
Tratássemos a letal ferida
Se orássemos com fé e honrássemos nossos votos
Ah! Se fossemos devotos
Se aprendêssemos simpatias
Se cantássemos magias
Vencêssemos o oráculo
Montássemos o palco
E Fugíssemos do maligno pacto
Se nos Alegrássemos e torcêssemos no campeonato
E com a mesma paixão, essa intensa e insana devoção
Votássemos, plantássemos e nos respeitássemos
E saíssemos à rua, gritando essa luta,
de fogo, paz e giz !
Projetos do justo lugar,
Do justo país
Se trocássemos o “eu”
pôr um “nós” mais feliz
E preservássemos no peito a criança,
Saberíamos onde esta, o que é,
E o que faz a esperança.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

EU NÃO CONHECIA ZILDA ARNS

Então estava eu na rua. Passos apressados pouco antes das 5h. Uma dessas terças-feiras que andamos á deriva. Pensei em ligar em casa, em passar no clube, em falar com um amigo...
A minha frente o asfalto estático servindo de rota para os meus sapatos gastos, mas lustrados. Subiam também os engraxates. Garotos maltrapilhos, todos pretos ou quase pretos de tão pobres.
Foi rápido e nem sei por que guardei a cena.
- Não, não obrigado!
Talvez por ter que dispensar os serviços dos engraxates, interrompendo meus pensamentos sobre a terça feira morta e o asfalto estático.
Mais tarde, toquei-me que havia um mundo contrário. Um mundo não eu.
Uma terra de garotos e adultos maltrapilhos, que não tiveram a sorte de uma terça monótona e de um asfalto estático.
Talvez lá também houvessem pessoas irritadas querendo ficar dentro de seus próprios pensamentos. Gente que dispensa garotos engraxates, ou de farol, ou só de rua com a mesma indiferença e irritação que eu.
Fiquei pasmo, horrorizado, impotente...Envergonhado.
Eu que só queria ficar dentro de meus pensamentos, que só enxergava ó asfalto estático e meu sapato lustrado, conheci a marca póstuma de uma compatriota.
Nascemos no mesmo país, mas vivemos em mundos distantes (eu no meu mundo, ela no mundo de todos).
Pensei em todas as crianças maltrapilhas que ela ajudou, nas mães que a seguiram, nos governos sensibilizados...
Pensei na minha ignorância e que só agora, diante do horror da perda, que pude conhecer Zilda Arns.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

NÚMEROS DO ANO

Número de vezes que acordei – 365 (ufa...)
Que lembrei que acordar era um milagre – 02
Que agradeci por ter acordado – 01

Número de vezes que menti: + ou – 100
Que acreditaram na mentira: como saber?
Que a mentira me ajudou: 0

Número de vezes que eu disse “Eu te amo”: 450
Que deveria ser dito: 1350
Que era verdade quando dito: 450

Livros lidos : 16
Livros escritos: -
Textos começados: incontáveis
Textos terminados: ainda falta alguma coisa...

Horas no computador: 2.190
Horas úteis no computador: 730
Horas com a família: 2190
Horas com a família com qualidade: 1460
Horas de trabalho: 4380

Vezes que perdi a cabeça: 52
Que eu tinha razão: 26
Que pedi desculpa: 4

Vezes que ajudei alguém: não lembro
Que me ajudaram: bastante
Que colaboramos: bem poucas

Vezes que chorei: 02
Que sorri: 600
Que me irritei: 1200
Que nem percebi o que tava acontecendo: hum?

Vezes que reclamei: incontáveis
Que agradeci: já falei que 02
Que me senti culpado: quer parar?

Vezes que me contestei: contestando
Que mudei de atitude: mudando
Que peguei você: agora

Helton Fesan

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

UM BRASIL QUE NÃO LÊ, NÃO LÊ POR QUE?


O Brasil é um país que não lê.
Infelizmente a assertiva acima é uma realidade que assola nosso país, porém, tais discussões parecem não se refletir na sociedade.
Ainda é comum ouvir de pessoas de todas as idades a incomoda frase: “Eu não gosto de ler”.
Pode-se analisar e deduzir de várias maneiras a declaração de asco pela leitura: que é uma questão de gosto, de costume, de incentivo e etc. Todavia, pode-se também problematizar a declaração com uma nova questão: “Não gosta de ler o quê?”
Neste ponto, teremos que voltar nosso olhar para o ambiente escolar, maior referência de leitura e formação de leitores de nossa sociedade e analisar o “quê” e “como” é disponibilizado o material de leitura na formação do aluno.
Em breve busca para as atuais políticas de incentivo à leitura e nos órgãos que, direta e indiretamente ditam as regras de adequação literária a serem implantadas no momento de escolha, aquisição e disponibilização do livro em sala de aula vemos um avanço tímido após a comemorada lei 10.639/2003.
Certo que, a exemplo da ocupação de outros espaços culturais, também a literatura não se mostrou como reflexo fiel, ou ao menos próximo da nossa sociedade. Muito calcada em uma ideologia Européia, quando não seguindo uma política de higienização racial, a escrita é um dos maiores instrumentos de resistência dominante de uma elite branca, refletindo o modelo idealizado por estes e travando uma intensa labuta na mantença do status quo.
Já peço desculpas pelo uso de termos como “elite branca” e “status quo”, que pelo excesso já tornaram-se lugar comum de uma irritante cantilena de classe. Porém é igualmente irritante e insuportável os repetidos artifícios da classe dominante para não alterar o modelo de sociedade que lhe beneficiam.
Dentre estes artifícios, a escrita e a leitura são, sem dúvida, símbolos de poder e civilidade superior, que combinam perfeitamente com ideologias de dominação.
Por estes motivos, minorias de nossa sociedade (e aqui lembramos que o termo minoria não esta ligado ao fator quantidade e sim ao acesso e retenção de direitos) não foram contemplados como criadores de textos ou como leitores em potencial.
Tratando da condição específica dos negros brasileiros, estes foram por longa data vedados do direito à educação. Por óbvio que criou-se um exército de analfabetos.
Não era necessário (nem desejável) criar uma literatura que contemplasse estes recém libertos e incômodos moradores que, inclusive, desejava-se eliminar da sociedade com uma política de embranquecimento social, a saber, a Eugenia.
Com isto, evidenciou-se uma política em larga escala de exclusão literária, ou exclusão de leitores.
É necessário lembrar que, a nossa sociedade em meados da abolição, quando dois terços dos negros brasileiros já eram libertos ou, auto-libertados em quilombos e afins, já somavam coisa de oitenta por cento da população.
Mesmo com a importação em massa de imigrantes, que, em regra também eram analfabetos, não seria possível “letrar”, ou ao menos alfabetizar a massa da sociedade brasileira sem beneficiar também a população negra, o que, como já dito, não era desejável.
Tais fatores históricos nos dão uma hipótese da formação de um povo que não lê, mas é pouco para explicar, ou ao menos começar a entender, a cristalização deste estado de coisas.
O abandono de políticas Educacionais e, mais especificamente de políticas de leitura, podem ser um referencial desta procura, mas, talvez, o modelo dessas escassas políticas, e a forma de sua implementação, possam nos revelar um pouco mais sobre o tema.
Se houve negligencia (ou sabotagem) com leitores em potencial, não foi diferente com os escritores que se dispuseram a retratar a pluralidade social.
A escrita étnica vive até hoje um ostracismo criado pelo mito da “democracia racial”. Há ongs como o Quilombhoje. que agrupam escritores motivados tão somente pelo idealismo de uma literatura brasileira igualitária.
Também louváveis iniciativas acadêmicas como a Universidade Federal de Minas Gerais – letras, que mantém um grupo de pesquisa de literatura afrobrasileira e o portal LITERAFRO, no qual se encontra importante amostra de escritores.
O Brasil, que em muitos aspectos é o criador da hipocrisia legalista, com a falsa ideologia de harmonia de raças em sua sociedade, acabou por marginalizar toda e qualquer discussão ou manifestação que visasse levantar hipóteses de tratamentos desiguais motivado por discriminação racial. Bastava, e ainda basta em alguns casos, afirmar-se que “No Brasil não existe preconceito” e qualquer projeto ou manifestação com este teor estava imediatamente descartada.
A cruel sabedoria deste dispositivo consiste em acusar de racista justamente quem deseja discutir o racismo. Neste diapasão excluiu-se, e ainda se exclui escritores cujo tema central é o embate racial da sociedade brasileira.
Se a discussão racial não contempla o universo desejado nos livros, não é diferente quando se fala na vivência e dramas da população negra. Durante muito ano, ignorou-se qualquer possibilidade de romantizar ou dramatizar o cotidiano do negro.
Tal exclusão dá-se basicamente no âmbito acadêmico, ou da literatura considerada boa ou clássica.
Quando contemplada a existência de tais personagens, aeram condenadas a papéis subalternos e ou ridicularizados, o que, por óbvio não era a melhor opção de introdução de leitura para quem se identificasse com tais personagens.
Assim, a população excluída não lia, pois, não o sabia, e, quando o sabia, não lia, pois, não se reconhecia.
Evento semelhante ocorreu na teledramaturgia brasileira, o que é genialmente tratado pelo documentário A Negação do Brasil de Joel Zito Araújo.
Esta exclusão literária, infelizmente não era, e não é, desabono exclusivo da população negra. Em larga escala o mesmo se faz com o índio (que enclausurou-se como “folclore” no mundo literário) e, em outra proporção, com a mulher o deficiente e outras minorias que ainda hoje lutam por lugar ao sol social brasileiro.
Necessário dizer ainda, que a origem racial do produtor do texto, também importava, e ao que tudo indica ainda importa, no momento da seleção, aquisição e disponibilização do livro.

sábado, 2 de janeiro de 2010

CONFLITO NO SURINAME - BRASILEIROS E QUILOMBOLAS (MELHOR OLHAR DE NOVO)

Como todo brasileiro fiquei apreensivo em ver a noticia de que, no Suriname, promovera-se um ataque contra brasileiros. Gente com facão na mão, assassinatos, estupros e incêndios contra nós, os simpáticos e alegres brasileiros... Não faz sentido.
Depois do primeiro impacto, lembrei que, como todo brasileiro, tenho uma percepção exagerada de nossa simpatia e capacidade de ser amado. Nós brasileiros não somos tão “boa praça” assim (em alguns casos somos é folgados).
Fui aos telejornais e constatei que (como quase todo brasileiro) eu não fazia a menor idéia de que raios se tratava o Suriname. Mas foi na frente da TV que ouvi repetidas vezes a frase: “Brasileiros atacados por quilombolas.”
Sim, quilombolas. O que aqui no Brasil constitui os inofensivos e quase extintos remanescentes de quilombos, no Suriname apareceu como uma facção raivosa e descontrolada com sede de sangue.
Neste momento minha orelha levantou: peraí, a história tá começando a ficar mal contada!
Corri para a revista Veja, cuja assinatura ganhei de uma leitora - valeu Mihokko! ;) - e que em matéria de história mau contada é imbatível.
Dito e feito, eu sabia que a boa e velha Veja não me decepcionaria. Com uma reportagem da turma do fundão de Leonardo Coutinho, recebi a mais genuína falta de informação preconceituosa. Na reportagem tem-se a impressão de que o Suriname é uma floresta habitada por um grupo de negros guerrilheiros que espalham o terror no país, juntamente com javaneses, indianos e a máfia Rússia e chinesa. Palavras chaves: Terror no Suriname, Encrenqueiro, Descendentes de Escravos Africanos, Comportamento Tribal e besteiras, besteiras e mais besteiras...
A reportagem resumiu todo o conflito a uma briga de bar, na qual o malvado, arruaceiro e drogado quilombola Wilson Apensa, agrediu o inofensivo gente boa brasileiro Adilson Oliveira que, armado de faca, cravou-a no coração de Wilson bandido e depois fugiu.
Daí a gangue de Wilson se vingou barbaramente dos brasileiros inocentes (segundo a reportagem, garimpeiros e prostitutas).
Falemos a verdade, muito simplório acreditar que não havia nenhuma tensão anterior entre os brasileiros e este grupo.
Lembremos que a atividade daquele garimpo é ilegal e se dá, adivinha, em terras quilombolas.
Não farei aqui nenhuma defesa à violência e selvageria empregada contra qualquer grupo, mas, quero entender e ajudar a entender melhor o fato.
Passado o primeiro impacto fui ao material disponível para tentar entender minimamente o país, sua formação e consequentemente o conflito.
De cara encontrei uma reportagem de 2004 que denuncia o risco de desaparecimento dos quilombos do suriname , graças a exploração ilegal de madeira e minérios em suas terras. A denuncia foi feita pelo antropólogo norte-americano Richard Price, que convive há 40 anos com as comunidades do Suriname e da Guiana Francesa, adivinha onde, no Fórum Cultural Mundial em São Paulo : 0.
Então concluo que a situação desses garimpos não é o que se pode chamar de pacífica, assim como não é a relação de índios e grileiros aqui no Brasil.
Interessante que o Suriname é o único país da América Latina (e acho que do mundo) que não reconheceu o direito a terra das comunidades indígenas e quilombolas, o que é um atraso nas relações humanas e democráticas.
E para quem acha que essas comunidades são “tribos selvagens” que vivem como há 200 anos atrás (o que é bem civilizado do ponto de vista ecológico) os povos Quilombolas do Suriname preservaram a essência de sua cultura africana e desenvolveram uma escrita própria, o que nem é preciso comentar o valor do ponto de vista antropológico e a importância do ponto de vista de resistência cultural. (ver AS NAÇÕES MAROONS DO SURINAME ).
O Suriname é uma ex colônia holandesa (século XVII) , que, a exemplo de nós brasileiros, teve sua sociedade fundada na pior maneira de organização política: a escravista Colônia de Plantação - aquela em que se usa mão de obra escrava para explorar um território sem ter nenhuma preocupação com o lugar, nenhum respeito pela humanidade do escravizado e nenhuma intenção de morar na colônia explorada.
Foi abandonada a própria sorte (a tal independência) em 1975, já que não era economicamente viável para os países baixos e dava mais prejuízo tela como colônia do que como país.
Mais ou menos como a chácara que a família tem mas nunca visita, não paga os impostos e nem os encargos e tenta desesperadamente vender a bucha (neste caso a Holanda quis e vendeu pro próprio caseiro sem pagar os encargos trabalhistas).
Numa terra fronteiriça (digo no sentido de tensões humanas) onde convivem Europeus, Negros (Crioulos), Quilombolas, Ameríndios, Javaneses, Indianos e Mulatos (que não se identificam com os quilombolas) pode-se imaginar uma situação parecida com a do Brasil no sentido de sentimento de país.
Porém isso não ocorre. O Suriname ainda sofre pela falta de sentimento de comunidade. Para se entender é possível se ter uma sociedade (pessoas organizadas no mesmo território e sob um mesmo governo) sem que se tenha uma comunidade (pessoas que guardam pontos comuns como lugar, idioma, cultura e religião).
No caso do Suriname, os grupos citados apenas moram no mesmo lugar, mas, de modo geral, não falam a mesma língua, não professam a mesma fé, e não compartilham de uma mesma cultura ou sentimento patriota.
Neste cenário, de maneira até certo ponto previsível, veio um Golpe de Estado em 1980 por militares de baixa patente liderados por Dési Bouterse , dando a desculpa necessária para a Holanda se retirar de vez e abrindo caminho para o apoio cubano, e, dando inicio a uma forte resistência civil (dos vários grupos citados).
O processo democrático só foi retomado em 1983 quando houve o rompimento do governo militar e com o apoio do Brasil e Venezuela à aproximação deste país com os demais Sul–Americanos.
Ainda pensando em nossa história, tivemos o comemorado Quilombo de Palmares que resistiu mas caiu no final. O Suriname teve pelo menos 06 (seis) quilombos que não só sobreviveram como obtiveram com a luta o direito de liberdade por meio de tratados reconhecidos e válidos. (como aquele que prometeram a Ganga Zumba e não cumpriram)
O medo de revoltas sangrentas contra a escravidão era uma realidade bem mais presente para os colonizadores do Suriname, entre eles alemães, holandeses e, quem diria, judeus, aquele povo tão injustiçado pelo holocausto mas que foi protagonista dos mais cruéis e inacreditáveis relatos de maus tratos contra os escravos africanos no Suriname (até tu Brutus... eu não esperava...)
Também os Mulatos se constituíram como segmento autônomo naquela sociedade. Diferente do Brasil (país dos pardos) os mulatos formaram um grupo com ideologia, história e nomes que lhes dão autonomia reconhecida por eles e pelos demais grupos.
Interessante observar que, segundo os textos lidos, se no Brasil há uma identificação aberta e crescente entre negros e pardos, no Suriname, os mulatos vezes se aproximam de negros urbanos, vezes dos Europeus e sentem-se essencialmente distantes dos Negros do Mato ou Quilombolas, chegando mesmo a convivência difícil e contenciosa.
Há realmente uma fraca percepção de governo no país, o que provavelmente dificulta-se pela citada ausência de sentimento de comunidade ou, indo além, de povo.
A impressão é que grupos como judeus, quilombolas, javaneses e indianos ainda se fecham em guetos sem desenvolver um patriotismo mínimo que leve a uma identidade nacional para um progresso possível.
Verdade que seria necessário ver com os próprios olhos a sociedade surinamês para entendê-la de forma aberta e sem estereótipos, mas, num breve estudo, dá pra ter certeza que o Suriname não é só selva, e que o episódio com os brasileiros não foi mera briga de bar.
Para agravar a situação há os estrangeiros que, em busca de riqueza instantânea, atuam no país com a mesma mentalidade do primeiro colonizador holandês - explorar ao máximo sem nada dar em troca. Neste grupo de predadores estão os chineses, os russos, os traficantes de sei lá onde e nós... os brasileiros gente boa.