sexta-feira, 2 de setembro de 2011

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES


Excelentíssimos Senhores



Com a cabeça cheia como são as cabeças cheias de idéias fareja no computador o fio de idéia, a faísca de genialidade que lhe dê o resultado de vitória para o duvidoso.


Não tem certeza do ganho, das flores e sabe que não terá aplausos, mas não consegue desligar-se da presa.

“Por amor ao debate”.

Esta expressão tantas vezes usada, tantas vezes escrita em iniciais e contestações lhe acende os sentidos de animal de fórum, de gladiador de causas e agora em frente ao papel digital oferecido pelo Word tenta responder a provocação do colega de OAB que nem conhecia e que nunca tinha visto, mas, que sabia que igual a ele era um animal de fórum, um gladiador de idéias, um amante do debate.

“SÍNTESE”

Diminuta.
Flecha que viaja por traz dos montes.
Certeira.
Pensada e lançada pensando o longe.

“DOS FATOS”.

A história é contada por quem venceu a guerra e antes mesmo do ecoar da trombeta o vencedor já deixa escapar a sombra do sorriso. Conta nas linhas retas os fatos tortos trazidas pelo cliente incerto a história exata da verdade, pintando o quadro como artista que entende de seu ofício, jogando com luzes, cores e temperaturas para obter a imagem que melhor lhe convém.

“DO DIREITO”

Ao que pese os olhos cansados de letras, os ouvidos viciados em sermões, a sagacidade e os ensinamentos de doutrinadores e doutrinados, chega o momento ansiado.
As espadas esgrimam e o combatente mostra seu valor ao honrar a causa, a justiça e o adversário que, como ele, ama o som do metal encontrando-se no ar e ecoando no tempo sem fim.

“DO PEDIDO”

Golpe de razão na barriga do verdadeiro algoz que são os dissabores da lida.
Clamor de humildade por justiça e pelo justo ganho do patrono.
Devolução ao justo do bem da vida em forma de pedido.
Dá à arena os cumprimentos de praxe.
Excelentíssimos Senhores sem certeza dos honorários, das flores e sem aplausos.

Data e assina teu mister.

Advogado, um forte.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

NO FIM DO DIA


No fim do dia, quando cair a tarde procure um bar humilde, freqüentado por pessoas humildes. De preferência ao balcão onde cada mundo disputa seu espaço ombro a ombro.
Peça cerveja
Não importa seu ranço calvinista que exige moderação com o álcool no meio da semana, nem seu narcisismo obcecado em livrar-se da barriga, não importa.
Guarde o whisky para encontros musicais com a turma da esquina e o vinho para o romance inventado com cara de reconciliação.
Nesta boca de noite, sente-se na roda dos comuns e aja com decência, peça cerveja.
Hei a bebida dos humildes desde que se colhe o trigo e que se separa do trigo o pobre e desprezado joio.
Com a caneca de cerveja na mão e o cotovelo no balcão para sustentar o tal do mundo que pesa nos ombros, observe ao redor os que te acompanham anonimamente neste brinde calado e solitário.
Veja que há em cada um a vontade reflexiva de se encontrar em si mesmo, mesmo que para isto se deva falar com o outro.
Ninguém ali ganhou um Nobel, ou inventou qualquer remédio, mesmo que seja para curar cansaço que este todos sabemos que o remédio quem nos deu foi o criador.
São poetas de obras e calos, oradores de verdades de si, cancioneiros de pé de rádio. São gente como eu sou, como tu o é.
Não importa o terno ou a gravata ou a armadura com motor que te levará a tua casa no final do dia. Nada disto pode esconder ou disfarçar a pele e osso de que todas as pulgas como nós são feitas.
A verdade é que no balcão todos esperam para ser servidos e todos sabem que pagarão pelo trago do final do dia. Somos companheiros de Jó e com ele estávamos quando fundaram e inventaram o mundo.
Por isso, senta-te no balcão e pede tua cerveja como todos os simples para lembrar-te de quem é e do que não é.
Brinda calado com teus iguais.

Helton Fesan

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Entrevisa Conexão - Afrodescendentes

Não tinha visto a entrevista ainda, achei legal.
Agradeço a competência e a simpatia de toda a equipe do Conexão bem como a elegância e bom humor da entrevistadora Nadia Nicolau.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PEÇO PERDÃO


Perdoem-me a ausência
É a esteira da vida que nos arrasta numa vertigem, que nos dá a Deus, que nos vende ao mundo.
Perdoem-me.
É o penetrar de corredores, o transpassar de porta, o carregar de pastas que por vez me ausenta de mim.
Perdoem-me, é o tempo, é o tempo...
Perdoem-me porque para perdoar cabe qualquer desculpa.
Perdoar é ato nobre que só fará bem a vossas almas e sabemos que somos nós todos prodígios neste mister.
Se não temos nobreza na compostura, na probidade, nas coisas simples e honestas, no mais básico sentido de cidadania é porque compensamos nossas falhas na divina capacidade do perdoar.
Perdoamos os nossos que estão acima, e assim nos perdoam quem está abaixo de nós.
Protelamos o cumprimento do dever por saber que seremos perdoados no prazo. Ao preço de futuramente também perdoarmos qualquer desídia.
Até a pena posta não nos é tão grave, pois, para ela e para a fuga também caberá perdão.
Peço o perdão sincero, que esquece totalmente a falta como se nada nunca tenha havido. O perdão que a cada eleição concedemos aos nossos políticos.
Perdoem a si e a mim. Pelo mal português, pois somos egoisticamente maus leitores.
Perdoem como deus nos perdoará depois e apesar de tudo. Perdoem a ausência e os pecados, sabendo que de outra vez não estarei, que outra vez pecarei.


Helton Fesan

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ENCHENTES NO ABC - QUANDO A ÁGUA BATE NA BUNDA...


Por volta das quatro, enquanto digito qualquer coisa, me incomodo com o vento misturando no chão os documentos que deveriam estar na mesa.
Olho pela janela e encontro a Av. Perimetral barulhenta e movimentada como veia aorta de Santo André.
Uma escuridão no horizonte, um barulho de sirene, uma, duas ambulâncias seguem sentido paço municipal.
Imagino algo ruim e penso que vou descobrir mais tarde no noticiário.
Volto ao computador. Ouço um helicóptero e imagino assalto à banco na Senador Flaquer. Guardo a curiosidade para o noticiário das oito.
Começa a chover, corro para fechar a janela enquanto praguejo alguma coisa sobre molhar papéis na mesa e pergunto para a sócia se a goteira da sala ao lado foi consertada.
Ligo para a esposa. O bebê ta na escolinha e só dá pra buscar depois da chuva.
As luzes apagam e acendem várias vezes. Melhor desligar o computador.
Tudo apagado. Finjo preocupação com as vítimas das enchentes no Rio e em áreas pobres de São Paulo...
“Aqui não enche”.

Vou enfrentar a chuva e descer a Pereira Barreto sentido Parque Oratório.
Tudo trancado, fico ensopado ao abrir o carro. Entro e tudo bem, é só água...
A Álvares de Azevedo está um caos. A rua Monte Casseros é um rio. “Mas como? Aqui é alto...”
Insisto e vou sentido Av. Portugal. Descendo ao encontro da Campos Salles, descubro que minha cidade já não existe como antes. Não há asfalto nem lojas... Apenas o Tamanduateí engolindo a Av. dos Estados e visitando o centro.
A estação de trem, o terminal rodoviário, a velha Av. Industrial que hoje abriga shoppings estão à mercê da lama.
Meu carro perde o controle de si e desfalece. Também eu já não o controlo. Estamos à deriva. Busco a janela e por ela escalo o teto. Ainda lamento o prejuízo, a perda do símbolo classe média de quatro rodas.

Já não finjo preocupação com as vítimas de outras enchentes, já não dá pra deixar para o noticiário das oito. Eu sou o noticiário das oito...
Finalmente não há mais carro nem teto. A água bate na bunda.
Vou andar. Tatear com os pés o chão que conheço a mais de vinte anos. Não são os mesmos, a água me abraça e um bueiro me chama.
Minha terra, minha água.

A cidade se afoga com meu corpo entalado na garganta.

Helton Fesan